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31.5.09

Para todas as mães negras cujos filhos partiram...


“Minha Mãe
(todas as mães negras cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança[...]”
(Agostinho Neto, trecho do poema ‘Adeus à hora da largada’)



Expirado numa sexta feira cinzenta por volta das 19:00 hs com dois tiros nas costas .Mesmo depois de ter caído subitamente morto, deram-lhe mais dois tiros a queima roupa: não com a intenção de garantir a morte do potencial “elemento de alta periculosidade”, mas sim como forma de ostentar poderio. Não foi alvejado de surpresa, muito menos "sem dever nada, ou talvez quase nada” (como na música "Tá na hora" do Consciência Humana), eles(porque estava acompanhado)sabiam o que estaria por vir se trombassem com a polícia: por aqui as relações diplomáticas entre seus patrões e a polícia não andam muito bem.Nas suas rondas, que nunca foram rotineiras, eles estão ostentando seus cospe-chumbos e muita vontade de trabalhar, "fazer polícia" - um termo do ramo que significa a atuação policial sem considerar necessariamente o rigor da lei.
Não posso dizer que o conhecia no sentido estreito da palavra, mas, além de morar na mesma vila, ele era primo de um chegado meu e amigo de infância dos meus priminhos menores. Crescendo e presenciando o crescimento dos outros: as ambições desses moleques descalços com narizes escorrendo eram pipas e outras coisas de interesse característicos dessa idade; agora são roupas e calçados da moda, artigos importados, motos, pagar as rodadas etc.. Não ignoro que há, mesmo nessa infância, um impacto considerável do consumismo impulsionado pela mídia na vida dos moleques, mas eu acredito que na adolescência, quando se aprimora o senso de percepção da vida social, o impacto de um mundo de imagens ilimitadas de mercadorias, que, como é pregado veementemente nos púlpitos de todos os compartimentos de nossa vida social, quando adquiridas, nos tornam mais “alguém” e menos “nada” (qualquer pessoa séria não pode negar que, no contexto atual, quem não consome é como se não existisse, como se fosse invisível: “quando pago logo existo”! ), com o mundo real que é um obstáculo a qualquer aspiração que exceda as fronteiras da sobrevivência, tem proporções astronômicas. Certo não é, mas é justificável que se persiga intensamente, sob qualquer condição e utilizando qualquer método essas mercadorias que fazem de seus possuidores “seres visíveis e não ignoráveis”, afinal, o meio ilegal, justifica a finalidade de ser considerado gente; mesmo que se consiga tudo isso tirando, muitas vezes, de gente que não tem – como acontece direto.Mesmo havendo uma penalidade para quem faz pilantragem na quebrada onde reside, não há penalidade para quem faz pilantragens em outras quebradas: o crime é totalmente destituído de aspectos morais, e esses, quando existem timidamente, são burláveis de acordo com o nível hierárquico de quem burla – se uma essência no crime, “na vida baixa”(Facção Central) essa essência é o despotismo.
O caso é comum, a memória ainda está fresca, mas agente vai se lembrar durante algum tempo; não tenho certeza se me lembrarei perfeitamente de tudo, se levarei para minha cova as lembranças detalhadas de todos os que velei...se serei capaz de interligar lugares, faces, datas, dizeres a seus respectivos correspondentes... Provavelmente não, é impossível, pois a cada dia casos velhos dão lugar a casos novos e, quando menos se espera, a história mais marcante se torna memória vaga. Os detalhes são privilégios dos amigos mais íntimos e dos familiares que, esquecem os detalhes de outros casos, e no final cada um carrega seus próprios mortos. Ele será lembrado como exemplo de mais um da quase totalidade que vai de encontro ao final que, com muita relutância, já sabia que iria ter. Fiel a linhagem: o seu pai foi queimado vivo...
O importante, aqui, não é especular sobre o nível de periculosidade que ele poderia ter atingido ou se, talvez, ele pudesse voltar atrás e virar evangélico ou coisa do tipo – cobrando dos outros a retidão que ele nunca teve. O essencial é questionar a ordem que fabrica esses elementos, que empurra a todo o momento as pessoas pra criminalidade, que castra todas as potencialidades de cidadania inerentes ao ser humano, enfim, a ordem dos que fabricam a guerra, mas não morrem nela (MV Bill). Será que nossas políticas públicas têm capacidade de evitar a criminalização dos pobres? Não! Isso é inerente ao sistema capitalista: tanto a inexorável criminalização dos pobres quanto as raríssimas exceções de pobres que sobem na pirâmide social – na verdade uma estratégia para aparentar uma suposta democracia no sistema e evitar uma inevitável explosão. A nossa pirâmide, a meu ver, perde cada vez mais sua forma clássica: conforme se concentra a riqueza em poucas mãos e se equaliza a esmagadora maioria na miséria, os ângulos vão se estreitando, ela se torna mais cumprida do que larga, pois as classes intermediárias vão sendo eliminadas. Ela vai parecendo mais uma torre. O exército de reserva á espera de ser incorporado se tornou uma massa permanentemente estigmatizada e supérflua. Se antes, no auge da industrialização, os desempregados eram rapidamente assimilados pelas diversas empresas, hoje, com a revolução tecnológica e substituição do trabalho humano por máquinas a assimilação da mão de obra reserva se torna impossível. Uma nova sociedade é tão necessária quanto possível.
A violência urbana sem dúvida é uma imagem da luta de classes, confusa e implícita, que não culmina, ainda, numa batalha em bloco: explorados x oprimidos. Acreditem: tem pessoas que ainda buscam encontrar aspectos subversivos no crime (eu vi até mesmo pretensos “libertários dizendo isso ”). Pra provar o contrário não preciso ir longe: tanto policiais quanto bandidos são inimigos do povo. Normalmente costumasse empregar essa visão em relação à polícia, mas ignorasse o papel opressor dos criminosos nas comunidades. Ali eles são a lei, as regras e as exceções. Como eu escrevi antes: a essência da criminalidade é o despotismo. Uma vez eu ouvi na TV um morador (anónimo) de uma comunidade dizer que foi intimado por um traficante para que mandasse sua filha mais velha – uma adolescente de 15 anos, se não me engano – para atendê-lo sexualmente, se ele negasse, haveria retaliações.
No crime não há mais Hobin Woods. A periferia hoje não oferece risco para os poderosos pelo motivo de o egoísmo próprio dos poderosos ter sido exportado para os que nada têm, aqui, hoje, cada um pensa em si próprio. Ninguém se mobiliza, pois cada qual está voltado pra si mesmo. O favelado, hoje, é a sítese do famoso"Lupus est homo homini non homo" de Hobbes.

O alívio é que não existe essência humana atemporal. Há uma saída! Ela se mostrou timidamente nos confrontos do dia dois de Fevereiro em Paraisópolis, decorrentes do assassinato de um morador, após uma ação policial – é pouco, mas é alguma coisa.
Que a autofagia periférica tenha fim. Que se inicie a luta de classes como ela deve ser. Que nessa violência bem canalizada se descubra a humanidade que do nosso povo foi subtraída, parafraseando Frantz Fanon: ”que a vida surja do cadáver em decomposição do opressor, dado que o seu poder significou a nossa ruína: que com um só golpe se abata um opressor e um oprimido.”

Como questionou Mike Davis em seu livro Planeta Favela:
Mas se o urbanismo informal transforma-se em beco sem saída, os pobres não se revoltarão. As grandes favelas [...] não são apenas vulcões à espera de explodir? ou será que a impiedosa competição darwinista, quando um número cada vez maior de pobres compete pelos mesmos restos informais, gera em vez disso uma violência comunitária que se aniquila a si mesma como forma ainda mais elevada de ‘involução urbana’? Até que ponto o proletariado informal possui o mais potentes dos talismãs marxistas, a ‘ação histórica’?”

Que chegue o tempo em que desperte o Che, o Marighella que existe em cada favelado (como cantava o Clã Nordestino). Conselhos de fábrica, conselhos de campesinos, conselhos de favela! expressão genuína dos que foram negadas até mesmo a expressão. Nesse tempo, na guerra, tantos os assassinados quanto os assassinos não mais passarão despercebidos. A morte de cada favelado terá o impacto que teve a morte de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, Marighella, Steve Biko, Alexandros Grigoropoulos, Chico Mendes etc., nos seus respectivos tempos. Mas isso é impossível com a favela que nós temos hoje, o aprofundamento das crises capitalistas e a irremediável colisão vindoura devem criar um novo favelado, uma nova comunidade.

... A máquina de imagens deve ruir; a cada crise capitalista, as alternativas possíveis se esgotam...

Enquanto isso, um tapa em Alphaville provoca mais escândalo do que um genocídio diário em nossas comunidades...
“A promessa é de que, mais uma vez, saído do lixo, das penas espalhadas, das cinzas e dos corpos em pedaços, algo novo e belo possa nascer” (John Berger)

Paulo Viana



fotos: André Cypriano

21.5.09

Os (*)“Fatos” do brasileiro, exposto nas ruas vermelhas de terra...

Garoto de Quinze Anos, Assassinado por Policiais...
Augusto Miranda


(**)“Certa Hora... França manda que o Sem-Pernas vá substituir o Volta-Seca na venda de bilhetes. E manda que Volta-Seca vá andar no Carrossel. E o menino toma o cavalo que serviu a Lampião. E enquanto dura a corrida, vai pulando como se cavalgasse um verdadeiro cavalo. E faz movimentos com o dedo, como se atirasse nos que vão na sua frente, e na sua imaginação os vê cair banhados em sangue, sob os tiros da sua repetição...E o cavalo corre e cada vez corre mais, e ele mata a todos, porque são todos soldados dos fazendeiros ricos...”






(*****)

Dez da noite; Periferia zona sul, São Paulo, "Rua Bogotá"...

Ronda policial, viatura avistada; Dois indivíduos correm.
Disparos; o individuo, flagrado em ato de tráfico, cai.
Documentos conferidos: Um Garoto de quinze anos de idade...

Aconteceu nesse sábado dia 16 de maio.

A Notícia quem trouxe até a gente foi o Paulo, na sessão de ensaios que tivemos no domingo dia 17. É gozado como espanta pensar que uma notícia dessas... Já não nos espanta mais. E logo, até esse último espanto vai ter se desfeito. Então, estaremos habituados ao assassinato de crianças, assim como já estamos habituados ao de adultos.



Mas não nego que não só me espantei, como me entristeci profundamente pensar que meu menino mais velho, tem três anos menos do que esse tinha... A mesma faixa de idade. Provavelmente bem menos experiência de ruas, mas o mesmo tempo de experiência de vida...



Não verti lágrimas, mas pensei muito nas da mãe desse garoto...

E me apertou o coração, visualizar em minha mente algumas feições, defendendo ter sido “melhor assim...”, “Bom mesmo...”, e que “traficante tem que morrer mesmo...”.



Não quero, nem vou entrar num mérito de defesa do traficante em geral, mas me deter nesse caso, nesse ponto especificamente... A despeito de todo mal que o tráfico desse garoto agora morto pudesse ter feito, por exemplo, contra minha própria família, contra esse meu mesmo menino mais velho, me chamou a atenção o fato ter se dado na rua de cima duma escola... Inserida num padrão que, desde que eu era criança, é o de um lugar cinzento, sem atrativos; que ensina coisas as quais muito provavelmente, só vão ser vistas ali dentro e nenhuma utilidade mais vão ter quando puserem os pés pra fora dali, pra “vida real”; O lugar responsável por nos formar, por nos dar em mãos ferramentas pra enfrentar essa “Vida Real”, sem que você saiba ler ou escrever decentemente... te empurra pra fora. Te expulsa.

Ou, essa mesma “Vida real”, vem até a porta e te puxa de modo humilhante e violento de lá de dentro...



Todos ansiamos por (sobre-) viver e entendamos isso, nesse mundinho estúpido, por ganhar dinheiro... Por comer um pouco melhor, vestir um pouco melhor, por morar um pouco melhor, e se “melhor” é o que a televisão mostra, sobretudo os de menos formação entenderão que se for necessária a violência, pra conseguir o que se mostra ali, será usada; se for necessário o roubo pra conseguir, será feito e se for necessário o narcotráfico pra levantar os fundos pra obter esse melhor, não restam dúvidas de que será usado, já que não estimula muito crescer vendo seu pai, além de completamente desgastado, esgotado num trabalho de merda, recebendo um salário que faria rir, se não gerasse antes uma descrença total em dias melhores.

Isso quando esse pai tem um emprego.

E isso, se esse garoto em questão tiver um pai...



Não é muito estimulante também crescer vendo em portas de bares os exemplos de heróis com armas na cintura exercendo o papel de estado, os prováveis exemplos de futuro que só saem de dentro do bar pra caírem detonados de álcool na calçada ; ou a viatura que passa “patrulhando e mantendo a ordem”, e inclua nisso alvejar um garoto de 15 anos... Inclua nisso, o caso da Dona Geni, de Diadema, dona de bar na região que após reclamar do abuso de autoridade que um grupo de policiais promoveu contra garotos menores de idade dentro de seu estabelecimento, teve , dias depois a vida tirada com mais de vinte tiros, e o suspeito, um desses policiais era um vizinho próximo a ela... Morador da mesma periferia. Vítima dos mesmos males... Sofredor das mesmas assolações, ele e sua família. Aliás, como todo policial! Me pergunto – ciente da resposta – do por que de não termos noticias de ricos que se tornaram policiais. Ora! Óbvio que um dono de cães não vai passar a agir feito um! E claro que o dono só serve seu cão de comida, banho e quando muito alguma diversão! Mas na hora de suas refeições tão abastadas o cão fica de fora! Na hora do sono, o dono está confortável com suas posses e seguro pelo cão que está a seu serviço, e não o inverso. O mesmo está posto para os ricos e a polícia.

Com a breve diferença de que os cães por instinto mantém sua dignidade.



Definitivamente não é para nosso serviço e nossa proteção que existe a policia. Ela existe PARTINDO DA Elite e PARA A Elite, servindo, protegendo e guardando do risco que nasce nas classes excluídas, nas periferias, nas vizinhanças onde nascem estes mesmos policiais (e que por fim, tiveram tantos “bons exemplos” quanto qualquer um outro dali...). Frustrante pensar que as operações que se vê nas favelas, a viatura que estaciona na esquina de nossas casas estão ali pra nossa proteção... Mera contenção de explosão social, a fins de evitar que surja ali algum risco que migre aos bairros dos ricos...



Fosse pra nós mesmo que existisse a polícia e seus serviços, primeiramente seus salários seriam dignos de trabalhadores; haveria continuamente um em cada ônibus, um em cada corredor de escola, garantindo a paz e a segurança das crianças e adolescentes, dos trabalhadores mães e pais de família, e não o contrário, sendo difícil encontrar um e quando encontra, é só para promover o pavor e a ameaça...



Mas não é pra nós que ela existe e já aprendemos a conviver com isso.

Nessa brecha quem entra é o trafico, que garante mais segurança do que a própria polícia.

Não é pra nós que ela existe e já aprendemos a fingir que tudo vai bem quando um camburão passa por nós. Já aprendemos a ter movimentos furtivos a primeira vista.



Alguns aprenderam que em alguns momentos é melhor arriscar a correr e pelo menos tentar escapar, do que se entregar pra morrer.

Alguns não têm o tempo necessário a aprender isso... E são alvejados, como foi esse garoto...





( ***)“. Depois vai o Sem-Pernas. Vai calado, uma estranha comoção o possui. Vai como um crente para a missa, um amante para o seio da mulher amada, um suicida para a morte. Vai pálido e coxeia. Monta um cavalo azul que tem estrelas pintadas no lombo de madeira. Os lábios estão apertados, seus ouvidos não ouvem a música da pianola. Só vê as luzes que giram com ele e prende em sí a certeza de que está num carrossel, girando num cavalo como todos aqueles meninos que têm pai e mãe, e uma casa e quem os beije e quem os ame. Pensa que é um deles e fecha os olhos para guardar melhor esta certeza. Já não vê os soldados que o surraram, o homem de colete que ria. Volta-Seca os matou na sua corrida. O Sem-Pernas vai teso no seu cavalo. É como se corresse sobre o mar para as estrelas na mais maravilhosa viagem do mundo.

Uma viagem como o professor nunca leu nem inventou.

Seu coração bate tanto, tanto, que ele o aperta com a mão.”



(****)"Do lado de fora do Congresso do país, uma menina está conversando com um policial em um momento de calma, lhe perguntando por que estão batendo nos meninos e meninas, por que reprimem a ela e a seus companheiros. O policial pergunta quantos anos ela tem. Ela responde que tem 18 anos. O policial ri e diz que quando ela tiver 40 anos mudará de idéia. E a menina de 18 lhe responde: "quer dizer que quando eu tiver 40 e matarem a um menino de 15, do meu lado, eu vou ficar quieta?". A conversa acaba aí e a palavra se perde por detrás do som das bombas molotov e do som do cassetete, de novo o mesmo, caindo sobre as costas de outros jovens como ela."



Notas:

(*)“Fatos”, aqui no título, entenda por “entranhas”, “vísceras”, como era costume dos antigos se referirem a estas partes nos animais eviscerados.



(**) e (***) de “Os Capitães da Areia” [ de Jorge Amado ]



(****) Extraído da reportagem de Elpida Nikú, de Atenas, para revista grega “Alana”.



(*****) Nomes e lugares deste texto foram omitidos por motivos óbvios...