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15.2.10

"As Prisões..." [por Mauricio Tragtenberg]

Numa conferência realizada em Paris em 1887, Kropotkin aborda um dos temas centrais da sociedade atual que, depois das questões econômica e política, é a mais importante: a questão judicial
A pergunta a que ele pretende responder é: o que se deve fazer com aqueles que cometem atos anti-sociais? Condenação à morte, trabalhos forçados, prisão perpétua? A máquina judicial povoa as prisões.

No entanto – e aqui os dados de Kropotkin são do século passado [XIX], cuja semelhança com os atuais [XX] é chocante – a única certeza que a administração carcerária tem é a da reincidência no crime, pois o aumento ou a diminuição da pena não contribuem para que os índices de criminalidade decresçam.


É a partir dessa constatação que Kropotkin argumenta que nada pode ser reformado no sistema penitenciario: a prisão, ao tirar a liberdade do homem e matar a sociabilidade que o capacita a viver em sociedade, só faz fabricar o criminoso reincidente.


A pretexto de “reeducar” o criminoso, o regime carcerário de fato degrada, de várias formas, o prisioneiro. Também não se trata de vigiar os guardas ou escolher para diretores dos presídios pessoas realmentes “sérias”, pois o universo da prisão também é uma espécie de sentença para esses indivíduos.


Como as prisões demonstraram serem incapazes de resolver o problema dos crimes, para Kropotkin cabe sim buscar suas causas, e elas são de responsabilidade social: a miséria, odesemprego, a desorganização familiar. O capitalismo, que cultiva o desprezo ao trabalho manual e cultua o deus-capital, cria personalidades anti-sociais, pessoas que querem viver às custas de outras que as mantenham. Os criminosos “bem-sucedidos” são glorificados. Os que “fracassam” na “carreira” é que serão trancafiados nas prisões.
Não é à toa que a maioria dos crimes, nesta sociedade fundada na propriedade dos bens por poucos e na expropriação de muitos, são contra a propriedade.



A minoria deles, que atigem a pessoa humana enquanto indivíduo, com o desenvolvimento de relações sociais fundadas na cooperação, apoio mútuo e respeito ao próximo tenderão fatalmente a decair e até mesmo a desaparecer.



As instituições presidiárias representam apenas uma solução de compromisso entre a nossão bíblica de vingança, do Velho Testamento, a noção medieval de existência de uma vontade diabólica geradora do crime e a noção moderna de evitar o crime pelo castigo. Esse termo aparece transfigurado como “reeducação” ou “reintegração”, alteração filológica e não filosófica.



A pena de morte, por sua vez, é apontada por alguns como solução para a reincidência criminosa de pessoas que cometeram homicídio ou atentaram contra a propriedade privada. No entanto, quando a pena de morte, na sociedade capitalista atingiu um banqueiro, um industrial ou um financista?



Assim como o hospital psiquiátrico é um depósito de pobres, o presídio também o é. Sua função, muito longe de ser a de “reintegrar”, é a de estigmatizar. Para que tanto trabalho e custos para apenas garantir a boa consciência das várias frações da classe dominante? Do mesmo modo que a prostituição é a condição do casamento monogâmico, a existência do estigma criminal é a condição da boa consciência da burguesia e da pequena burguesia das grandes cidades.


Para Kropotkin, nem as prisões nem a pena de morte – um assassinato legal – diminuíram o número de crimes. Para ele, só o apoio humano fraterno àqueles que, por motivos os mais variados, venham a passar por um processo de desestruturação situacional, só a liberdade para que o indivíduo possa demonstrar suas potencialidades, criatividade e humanidade são remédios contra o crime.



Num mundo como o capitalista, governado pela mercadoria, onde não só o trabalho é uma delas, mas a própria personalidade humana se converte numa mercadoria, esses remédios são esmagados.
Caso haja no contingente de presidiários aqueles que possuem problemas psíquicos, nada mais certo que receberem atenção adequada dos especialistas e atenção solidária da comunidade.


Uma sociedade livre não necessita de depósitos de seres humanos segregados. A segregação é o grande crime contra a pessoa, a fonte de todas as perversões, delinqüências e deformações psíquicas.
Não é por acaso que os hospitais psiquiátricos tradicionais, que os colégios internos, conventos e prisões fechadas são incompatíveis com uma sociedade igualitária e libertária.



Infelizmente, constituem o cartão de visita de sociedades fundadas na exploração e na opressão do homem pelo homem.


In:
Texto copilado da "apresentação" ao livro KROPOTKIN (textos escolhidos); Biblioteca Anarquista; Seleção de Maurício Tragtenberg; L&PM Editores; 1987.

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