por Peter Hallward, The Guardian - 15 de janeiro de 2010
Se verdadeiramente queremos ajudar a este país devastado, devemos cessar com as intenções de controlá-lo e explorá-lo.
Qualquer grande cidade do mundo haveria sofrido danos consideráveis por um terremoto como o que assolou a capital haitiana na tarde de terça, porém não é nenhum acidente que boa parte da cidade de Porto Príncipe pareça agora uma zona de guerra. Grande parte da devastação causada pelas mais recentes e desastrosas calamidades, que golpearam o Haiti se compreende como resultado de uma grande e infame seqüência de acontecimentos históricos causados pelo homem.
O país já enfrentou mais catástrofes do que, para ser justo, lhe corresponderiam. Centenas de pessoas morreram em Porto Príncipe por um terremoto em junho de 1770, e o gigantesco terremoto de 7 de maio de 1842 matou 10.000 pessoas, somente na cidade ao norte de Cabo Haitiano. Os furações golpeiam a ilha com regularidade, os mais recentes, em 2004 e 2008; as tormentas do ano de 2008 inundaram a cidade de Gonaives e destruíram a maior parte de sua frágil infraestrutura, matando mais de mil pessoas e destruindo milhares de habitações. A extensão deste atual desastre pode se manter desconhecida por várias semanas, inclusive reparações mínimas podem tardar anos para se efetivarem e o impacto a longo prazo é incalculável.
Sem dúvida, o que já está bastante claro é que este impacto será resultado de um processo histórico ainda maior de debilidade e empobrecimento deliberado. Haiti é descrito, rotineiramente, como “o país mais pobre do hemisfério ocidental". Esta pobreza é o legado direto de que talvez haja sido o sistema de exploração colonial mais brutal da história, agravado por décadas de sistemática opressão pós-colonial.
A nobre “comunidade internacional" que, nestes momentos, se prepara, com grande estrondo, para enviar sua "ajuda humanitária" ao Haiti é, em grande parte, responsável pela extensão do sofrimento que agora quer aliviar. Desde a invasão e ocupação norte americana de 1925, cada tentativa política, de permitir que o povo haitiano pudesse passar (na frase do anterior presidente Aristide) “da miséria absoluta à pobreza digna", tem sido bloqueada, deliberada e violentamente, pelo governo dos Estados Unidos e alguns de seus aliados.
O próprio governo de Aristide (eleito aproximadamente por 75% do eleitorado) foi a última vítima desta ingerência a ser derrotada em 2004 por um golpe patrocinado internacionalmente no ano de 2004, que matou milhares de pessoas e deixou uma grande parte do pais carregada de ressentimentos. A ONU se manteve no país, deste então, com uma enorme e muito onerosa força militar de pacificação.
Haiti é, hoje, um país onde, segundo o melhor estudo disponível, certa de 75% da população ' vivem com menos de 2 dólares ao dia e 56% - quatro milhões e meio de pessoas - vivem com menos de um dólar diário". Décadas de “ajustes" neoliberais e intervenções neoimperiais têm despojado o país de qualquer porção significativa de capacidade para intervir em seu podo ou regular sua economia. Condições punitivas de comercio e financiamento internacional garantem a permanência, em um futuro previsível, desta indigência e impotência como fatos estruturais da vida haitiana.
É exatamente esta pobreza e impotência que explicam a extensão do atual horror em Porto Príncipe. Desde os últimos anos da década de 70, um implacável assalto neoliberal à economia agrária do Haiti tem obrigado milhares de pequenos agricultores a morar em habitações informais e deficientes, cravadas em barrancos desflorestados. A seleção de pessoas que vivem em tais lugares não é , em si mesma, mais ' natural' ou acidental do que a extensão das feridas que tenham sofrido.
Como indica Brian Concannon, diretor do Instituto pela Justiça e Democracia do Haiti, “esta gente chegou a estes lugares, porque eles, ou seus pais, foram expulsos, intencionalmente, das áreas rurais por políticas de ajuda e de comercio desenhadas, especificamente, com a intenção de criar, nas cidades, uma força de trabalho cativa, e, portanto, fácil de explorar; por definição se trata de gente que não conta com meios para construir casas resistentes aos terremotos”. Entretanto, a infraestrutura básica da cidade - água corrente, eletricidade, ônibus, etc - permanece deploravelmente inadequada, minimamente inexistente. A capacidade do governo para mobilizar qualquer tipo de ajuda contra catástrofes é praticamente nula.
A comunidade internacional tem governado efetivamente Haiti, desde o golpe de 2004. Os mesmos países, que agora alardeiam com o envio de ajuda de emergência ao Haiti, votaram, sem dúvida, consistentemente, durante os últimos cinco anos, contra qualquer extensão do mandato da missão da ONU, para além de seus objetivos estritamente militares. Propostas para desviar parte destas “inversões" para programas de redução da pobreza ou o desenvolvimento agrário foram bloqueadas, de acordo com as pautas de longo prazo que seguem caracterizando ' ajuda ' internacional.
As mesmas tormentas que mataram tanta gente no Haiti, em 2008, golpearam Cuba com a mesma força, porém deixando apenas 4 mortos. Cuba tem se referido aos piores efeitos das “reformas” neoliberais e seu governo conserva a capacidade de defender seu povo contra os desastres naturais. Se quisermos, seriamente, ajudar o Haiti a sair de sua última crise, deveríamos considerar estes resultados. Juntamente com o envio de ajuda de emergência, deveríamos nos perguntar sobre o que podemos fazer para favorecer o fortalecimento e autodeterminação do povo de Haiti e suas instituições públicas. Se queremos seriamente ajudar, temos que deixar de tentar controlar o governo haitiano, pacificar seus cidadãos e explorar sua economia. E logo, tenderemos que começar a pagar, ao menos uma parte, a destruição que temos causado.
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